sábado, 23 de junho de 2012


A viagem do 1º Escalão de embarque

Poderosos e graves foram os motivos que impuseram a montagem de um eficiente sistema de escolta ao navios transportes que conduziram os cinco escalões da F.E.B.
Em razão da probabilidade de intervenção dos submersíveis contrários, destróieres brasileiros e belonaves de combate americanas acompanharam até o estreito de Gibraltar os navios que transportaram nossas tropas. A viagem no Mediterrâneo realizou-se com uma nova escolta de navios americanos e ingleses, contando com constante cobertura aérea. Blimpes e aviões, com bases no Brasil e África, asseguraram a cobertura desses transportes, desde os primeiros momentos da partida até o porto de destino.
Completaram as medidas de segurança as bombas de profundidades dos destróieres, o próprio armamento dos transportes de guerra, o contínuo funcionamento do radar e os aviões existentes nos cruzadores americanos da escolta.
Apesar de todos esses meios, eram diários os exercícios de alarme para abandono do navio e obrigatório o uso permanente de salva-vidas.
As regras de segurança impuseram também o escurecimento do navio, durante a noite.
Com a efetivação de tal medida, todo pessoal embarcado era empilhado nos alojamentos, que se fechavam para impedir a filtração da mais fraca réstia de luz.
Desagradáveis, insuportáveis mesmo, eram essas noites, quentes e infindáveis, vividas em compartimentos abafados e lotados até o teto.
Além disso, a diferença de alimentação e a agitação do mar provocaram o enjôo em grande número de companheiros, o que tornava insuportável a vida nos alojamentos.
Os freqüentes exercícios de artilharia de bordo contra alvos aéreos interessaram muito à tropa embarcada e constituíram um agradável passatempo.
Para aliviar as naturais preocupações da viagem e o cerceamento da liberdade, decorrente das medidas de segurança e escurecimento do navio, os comandos dos transportes fizeram exibir alguns filmes cinematográficos e executar programas variados de diversões, geralmente a cargo dos capelães de bordo.
Ademais, a tripulação dos transportes, desde o marujo ao comandante, esmerou-se em gentilezas de toda ordem, tudo envidando para dissipar o turbilhão de saudades e apreensões.
Desenvolveu-se natural e imperceptíveis, a camaradagem entre a nobre maruja americana e os expedicionários brasileiros. Através dessa convivência e mediante a observação de sua conduta, nas horas de trabalho e nas ocasiões de folga, firmara-se nos a convicção, ainda em viagem, de que entre militares americanos e brasileiros iria estabelecer-se no campo da luta, uma sólida amizade de guerra. A entrada do “General Mann” no Mediterrâneo se revestiu de grande solenidade, tendo o comandante do navio, capitão Paul Maguire, dirigido à F.E.B. entusiástica saudação (¹).
Nesse ambiente decorreu a viagem do 1º Escalão, até que na luminosa manhã de 16 de Julho de 1944, com o Vesúvio à vista, logo se descerrou o segredo: o nosso porto de destino era Nápoles.
E, à proporção que o “General Mann” avançava para o interior da ampla e formosa baía, três capelães militares disseram a missa em ação de graças pela nossa chegada ao porto de destino, sem sequer um registro de algum incidente desagradável.
Dessa maneira, aportou ao continente europeu a primeira força latino-americana destinada a combater em terras de ultramar.
Esta “performance” constituiu justo galardão aos esforços despendidos e riscos enfrentados na travessia oceânica.
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(¹) Exceto do discurso do comandante Paul Maguire, quando saudava a F.E.B.:
“Brasileiros! Soias a primeira força Sul-americana que primeiro deixou seu continente para combater um ultramar, com destino ao teatro de guerra europeu, constituindo um novo Exército de homens livres, que se vêm juntar a tantos outros na luta pela liberdade dos povos oprimidos. Quem poderá avaliar da suprema importância que podereis representar nos campos de batalha? Não seria a primeira vez na História que a adição de alguns homens a mais, num determinado setor de luta fizesse pender de definitivamente para ele o fiel da balança e os louros da vitória.”
Em resposta, falou o general Mascarenhas de Moraes, de cujo discurso extraímos o tópico abaixo:
“Senhor comandante! Conduzistes as primeiras tropas terrestres Sul-americanas através do Atlântico; ides fazê-las penetrar no Mediterrâneo e depois entregá-las ao Teatro de Guerra do Sul da Europa. A minha Pátria está vivendo assim o ciclo da grande e gloriosa Pátria de Washington.
Colonizados e vitalizados pela civilização européia, somos as Nações do Hemisfério ocidental mais identificadas na defesa do patrimônio da Humanidade em terras americanas e, muito em breve, nos campos de batalha da Europa.
E esta identidade de destino de dois povos unidos por tão alevantada aliança, traduz-se no entrelaçamento de nossas bandeiras no Mediterrâneo, no próprio berço da civilização cristã, que hoje engrandece os Estados Unidos e o Brasil. Unidos na América e sobre as águas do Atlântico, seremos na Europa também irmãos do mesmo ideal.”

domingo, 10 de junho de 2012

Os efeitos da guerra no Rio de Janeiro
Regina da Luz Moreira²

                   O conflito na Europa interferiu na vida brasileira, especialmente na então Capital da República, o Rio de Janeiro, o começar pelo relacionamento de sal e açúcar. Era freqüente deparar com pessoas que formavam filas para conseguirem cartões de racionamento. Imaginem uma vida sem geladeira, sem máquina de lavar roupa e automóvel.
                   Na época da guerra, na maioria das residências do Rio de Janeiro, ainda se utilizavam grandes pedras de gelo para refrigerarem os alimentos, entregavam-se as roupas, usualmente, às lavadeiras e os eletrodomésticos só começavam a circular, mais fartamente, depois da guerra com a liberação das importações. Para tomar a vida ainda mais difícil havia racionamento de gás, luz, carne e leite. Compravam este último nas cooperativas e pagavam-no com um mês de antecedência, por exemplo. A manteiga foi um produto raro, sem falar em combustível. Praticamente só os carros oficiais tiveram acesso à gasolina e, para os particulares, restou o gasogênio, conseguido à base de queima de carvão. Aconteceu tudo isto porque, com a guerra, a dificuldade de se importar petróleo foi enorme, o que levou o governo a decretar, em 1943, o racionamento de todos os produtos dele derivado. Os problemas, que atingiram o setor de transporte, imediatamente repercutiram nos demais setores da economia, o que causaram a escassez de determinados gêneros alimentícios e a conseqüente alta nos preços, aliás, os transportes já eram os vilões na história da cidade do Rio de Janeiro. Como os automóveis ainda não eram tão usuais como hoje, a grande maioria da população utilizava os transportes coletivos: bondes, ônibus e lotações.
                   Os bondes podiam ser de primeira ou segunda classe e de cargas. Este tinha a parte da frente fechada. No ônibus, sempre escassos, permitia-se que 8 passageiros viajassem em pé. chegou a haver, nos pontos, a fila dos que viajariam sentados e a dos que viajariam em pé. Quanto às lotações, recebiam esta designação porque só saíam do ponto com a lotação esgotada.
                   Medidas oficiais aproximaram o carioca dos tempos de guerra. O treinamento da população para a realização de blecautes, a fim de prepará-la para eventuais ataques noturnos, foi uma: em setembro de 1942, por exemplo, decretou-se o blecaute em Copacabana ao longo de 3 noites e o bairro permaneceu na mais completa escuridão, ou ainda, a exigência, ao estrangeiro, do porte de salvo-conduto para as viagens pelo território brasileiro. Data da época a obrigatoriedade do porte da carteira de identidade para brasileiros maiores de 18 anos. Exigia-se este documento até para quem se aventurasse a sair do Rio de Janeiro para visitar parentes em Niterói. Outras medidas acabaram por se enraizarem na rotina do carioca, como as propagandas da Campanha do Gás, que orientavam o usuário a adotar hábitos mais econômicos.
                   No tempo da guerra fizeram, também, passeatas no Rio de Janeiro. A União Nacional dos Estudantes, UNE, que protestou contra os  seguidos afundamentos de navios brasileiros por submarinos alemães, realizou as primeiras. Em repúdio ao totalitarismo nazista e à manutenção da neutralidade brasileira, começaram a realizar as manifestações em meados de 1942, que acabaram por repercutir em outras cidades do país. Logo depois os cariocas se acostumariam a acompanhar, comovidos, o desfile dos batalhões da FEB pelas ruas do centro da cidade a caminho do cais do porto por ocasião do embarque para a Itália.
                   As notícias, em primeira mão, sobre os combates na Europa aqui chegavam pela voz de Heron Domingues, locutor do Repórter Esso, o famoso noticiário radiofônico criado em 1941. Os meios de comunicação, de uma maneira geral, desempenharam importante papel na conscientização da população para as dificuldades que seriam enfrentadas. A verdade é que apesar das aflições pelas quais eventualmente passaram a guerra não conseguiu tirar dos cariocas a proverbial de viver.



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² Mestra em História Social pelo IFCS-UFRJ