DIÁRIO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL DE EDSON DIAS SOARES
Organizador: Antonio Ernesto Viana Soares
Comentário:
Ednilton Lopes Costa
Professor do Instituto de Filosofia Nossa Senhora das Vitórias
Arquidiocese de Vitória da Conquista - BA
Como
conterrâneo de Edson Dias Soares (Som), fiquei vislumbrado com sua proeza de ir
para a guerra na Europa e escrever um diário relatando os acontecimentos no dia
a dia do conflito. Além disso, de sua presteza à historiografia. O Diário
da Segunda Guerra é um relato que serve de subsídios para estudos em vários
campos das ciências sociais.
Para a história possibilita conhecer aspectos da guerra pouco explorados pela
historiografia: o cotidiano do soldado nas frentes de batalhas. Nesse sentido,
compreender as atitudes do homem comum, em relação ao contexto do conflito, os
conceitos e as ideias que elaboravam para entendê-lo, as táticas e
as estratégias que traçavam pra sobreviver. Ou seja, o diário além de ser uma
fonte histórica documental presencial, representa a expressão do soldado no
âmbito das circunstâncias da guerra e dentro da rigorosa moral disciplinar da
hierarquia militar que participa. É um relato da guerra a partir de um soldado
cujo o objetivo é preservar a memória dos fatos que marcaram sua
vida naquele momento.
Os diários têm valor pessoal e a intenção de quem os escreve é registrar
momentos, fatos da vida que se transformarão em memórias e que precisam ser
guardados. São importantes fontes históricas documentais e instrumento de
expressão literária. Nos tempos da guerra poucos foram os que se ocuparam em
escrevê-los e divulga-los. “O Diário de Som” lembra o importante Diário de Anne
Frank, uma menina judia de treze anos que passou todo o período da
guerra escondida num porão e que escreveu um diário narrando os
acontecimentos por ela vivenciados. São documentos patrimônio da humanidade, de
grande valor literário, científico ou historiográfico.
O desprendimento de Antônio Ernesto em publicá-lo é uma importante contribuição
para a história, pois permite ter outras visões do fato contribuindo para
alargar os horizontes da historiografia sobre a segunda guerra mundial. È um
subsídio importante que possibilita ver como numa determinada conjuntura
os diversos grupos de uma sociedade na sua diversidade de atividade,
compreenderam os paradigmas e práticas políticas inerente a uma situação
histórica. Esse é o interesse da corrente historiográfica as mentalidades.
A emergência de novos objetos no seio das questões
históricas: as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os
comportamentos religiosos, os sistemas de parentescos e as relações familiares,
os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento
escolar, tem tanta importância historiográfica quanto o estudo das conjunturas
econômicas e demográficas ou das estruturas sociais(CHARTIER,1982, p.14).
Na época do conflito a prática
historiográfica oficial de orientação positivista priorizava os feitos heroicos
dos grandes homens e as conjunturas políticas, econômicas e demográficas. Nas
obras produzidas desse período, passa despercebida a vida cotidiana e a
cultura. Por outro lado, a historiografia marxista que afirma ser a luta
de classe o motor da história, se arraiga no economizamos numa prática
historiográfica ideologizada ignorando outras visões e aspectos da vida. Por
isso, esta obra incorre no acerto de ser uma mentalidade e como tal, valorizar
outros momentos da vida cotidiana enxergando neles outros atores. O valor
historiográfico nela não se vincula diretamente à dinâmica das lutas de
classes.
Entendo que as mentalidades não
inviabilizam nem rechaçam outras formas de conceber e escrever a história.. Não
se trata de negar as influências econômicas e política, mas de discutir
até que ponto devemos relegar o cotidiano e a cultura como práticas
históricas e, como tal, fontes historiográficas.?
É como simpatizante da
historiografia das mentalidades que entendo "Diário da Segunda Guerra de
Edson Dias Soares".
Por outro lado, esta obra
se torna um documento de memória de suma importância regional e
local. Ela eleva a autoestima histórica do sertanejo nordestino do semiárido à
medida que se ver inserido no contexto global da história através de membros da
comunidade, e porque, como memória individual ela faz parte de uma
memória coletiva. Insere o povo de Vila Nova no quadro geral dos
acontecimentos da segunda guerra mundial ao mesmo tempo em que registra a saga
dos pracinhas brasileiros no episódio divulgando seus feitos e facilitando o
reconhecimento popular e o enaltecimento de nossos heróis. "A memória, na
qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado
para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória
coletiva sirva para a libertação e não pra a servidão dos homens"( Le
Goff, 1924, p.416),
Como memória coletiva mostra como
uma família reagiu diante do fato de um ente querido ter se alistado como
combatente para uma guerra numa terra distante e estranha. Como amigos,
parentes e familiares acompanharam os acontecimentos, quais suas expectativas,
que fatos foram marcantes no decorrer do processo, que dramas vivenciaram. Tais
sensações estão explícitas nos diversos depoimentos de familiares e amigos que
a obra apresenta. Sem dúvidas as reações e emoções que marcaram essa
família são sentimentos comuns a todas as famílias de todos os paises que
mandaram contingente para a guerra. Por isso tem valor universal sendo também
um importante trabalho de história oral.
É possível fazer
comparação entre Diário da segunda guerra de Edson Dias Soares e a obra de
Ecléa Bosi, Memória e Sociedade, lembranças de velhos, onde a
autora critica a baixa importância dispensada aos idosos pela sociedade
industrial capitalista no que diz respeito às suas lembranças. Procurando
mostrar a importância das fontes orais pra a história, especialmente os idosos,
Ecléa apresenta depoimentos de pessoas que relatam suas memórias do
passado permitindo ao leitor construir ideias mais precisas e complementares de
fatos históricos e do que foi a história e o espaço
geográfico no período vivenciado por eles. È um belíssimo trabalho de
história oral.
Por mais que o relato das
memórias seja singular, inerente a uma pessoa, portanto, individual,
particular, o que ela escreve é resultado da sua relação com o conjunto social.
Nesse caso suas memórias já não são mais individuais. "Nossas
lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se
trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente
nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós." ( Halbwachs,
2006, p.30),
Nesse sentido fico
orgulhoso junto com minha comunidade de estarmos inseridos no contexto da
história universal através da participação desses homens no episódio da
segunda guerra mundial. Somos estimulados a conhecer a obra, formar
acervo documental ou centros de memórias que preserve a documentação como patrimônio
regional.
Aqui em Anagé antiga Vila Nova,
estamos coletando junto às comunidades rurais e urbanas, cartas e
correspondências, geralmente enviadas via correio entre as pessoas. O objetivo
é formar um acervo documental sobre linguagem e memória. As cartas que as
pessoas escrevem uma para as outras quando estão distantes, são relatos de
situações que guardam aspectos da memória social. Portanto, são importantes
fontes documentais. Entendo que os municípios deveriam dispor de condições para
fundarem instituições responsáveis pela organização de documentos e acervos que
posam servir de guardiões da memória popular.
Anagé, maio de 2008.
Obs. Já
havia encaminhado tal comentário. Faço-o agora novamente. Se você não gostar
fique à vontade para fazer o que quiser, eu entenderei. Faça uma correção
geral. De qualquer forma fico grato pela atenção. Volta a lhe comunicar.
Prof. Mestre Ednilton Lopes Costa
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